terça-feira, 29 de abril de 2014

Perdão ou desculpa?


Deve pedir-se perdão ou desculpa por um ato de ofensa?

Não quero ser conclusivo nem emaranhar-me em discussões sobre a origem das palavras ainda que seja inevitável espreitar um pouco para entender algumas diferenças e semelhanças.

Perdão, do latim “perdonet”, significa remissão de pena ou ofensa, ato de desobrigação da pessoa de cumprir com o que era o seu dever.

A palavra “desculpa” significa o contrário de culpa, ou o ato de auto-remissão de uma falta cometida. “Des-figurar” é distorcer o que antes era belo, “des-controlar” é promover o caos no que antes tinha ordem, “des-culpar” é tirar a culpa ao que cometeu um ato doloso. Tão depressa amarro como desamarro, cuido como descuido, culpo como desculpo. Parece vulgar, trivial, fácil demais. Faço e logo desfaço. Já no que toca ao perdão não existe “desperdoo”.

O perdão é concedido pelo ofendido, a desculpa é proposta pelo próprio que cometeu um ato reprovável. A desculpa portanto pode ter dois sentidos: “Desculpa-me pelo que te disse ontem” ou, “ele inventou uma desculpa pelo que fez.”

Naturalmente, não se pode negar que perdão e desculpa, regra geral, também têm um sentido convergente no que diz respeito a um pedido de clemência, mas o meu foco pessoal é a confusão entre atos cometidos de dimensão absolutamente triviais e aqueles que ferem profundamente e durante muito tempo.

- Sr. Guarda, desculpe, não vi o sinal de Stop.
- Desculpe, pisei-lhe o pé, foi sem intenção.

- Perdoa-me, traí a tua confiança.
- Perdoa-me, por minha causa tiveste que mentir.

Um pedido de desculpas, parece-me a mim mais aceitável para atos absolutamente imprevistos e sem consequências a prazo físicas ou emocionais.

Uma pessoa pode também sem querer causar danos sérios físicos numa outra:

- Desculpa, não vi que tinhas aí o dedo!
Mas quando se trata de erros contínuos que eventualmente até já tenham sido alvo de repreensões ou de um conhecimento prévio de que esses comportamentos podem causar feridas emocionais profundas noutras pessoas, então o uso da palavra “desculpa” parece ser muito redutora e superficial para reparar o estrago cometido.

Ninguém, “filho de boa gente”, nem eu, nos atos cometidos contra mim e que alteraram a minha vida profundamente, poderá consentir com o uso de palavras tais como “peço desculpa”.

Para a Bíblia a palavra “desculpa” quase não existe. Só existe “culpa”. Na tradução de João Ferreira de Almeida a palavra "desculpa" aparece uma vez e a palavra “culpa” aparece 68 vezes. Curiosamente o versículo que contém "desculpa" na tradução é este: “Se eu não viera e não lhes falara, não teriam pecado; agora, porém, não têm desculpa do seu pecado.” (João 15:22) Ou seja, mesmo que haja alguma desculpa, ela não serve para coisa nenhuma.

Quanto á palavra "perdão", "perdoou", "perdoar" ou "perdoará", ela aparece dezenas de vezes em toda a bíblia.

Outra questão da diferença entre as palavras é que há pessoas que não são capazes de usar a palavra “perdão” e por isso refugiam-se na palavra “desculpa”. O facto parece estar relacionado com o carácter do indivíduo que comete a ofensa o qual encontra sempre uma desculpa, atenuante ou razão, para fazer e dizer o que não deve, esquivando-se assim de reconhecer a sua condição de prevaricador através do uso de uma palavra que afinal denuncia a sua condição.

Pedir perdão implica mudar de atitude e desejar a reconciliação com a pessoa ofendida. Pedir desculpa aplica-se a quem porventura cometeu um lapso acidental e que sabe que no instante seguinte o assunto estará resolvido. A pessoa que pede perdão deseja ansiosamente ser perdoada, a pessoa que pede desculpa, sabe que os danos foram ligeiros e não haverá consequências nos relacionamentos. Pede-se desculpa a quem não se conhece, pede-se perdão a quem se conhece.

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