sexta-feira, 29 de janeiro de 2016

O alcoolismo não é só consequência de uma sucessão de erros


Uma reflexão cristã sobre liberdade e responsabilidade.

A primeira associação entre estas duas palavras, “Alcoolismo em Portugal" tema sugerido pelo Dr. Brissos Lino como tema apresentado no "Fórum Jubileu" em que estvémos presentes, remete-me com facilidade para uma associação “Vinho na cultura”. (Vinho / Alcoolismo - em /na - Portugal / Cultura). O vinho está rotulado na mentalidade de alguns como uma maleita que se pretende combater e por outro lado, por outros, a cultura como algo que se deve preservar a todo o custo. Na verdade desconheço que haja qualquer organização no mundo ocidental que tenha como missão a extinção da cultura vinícula, e claro, que esta não é a forma razoável de tratar a questão. É apenas uma amostra (a mentalidade) de como há muito trabalho para fazer nas questões relacionadas com a minimização dos danos causados pelo abuso do álcool, informação do público e no combate à propaganda falsa dos agentes comerciais que se aproveitam do desconhecimento popular, lançando no mercado informação falsa sobre as bebidas alcoólicas. 



Questão. Serão as bebidas alcoólicas a raiz de todos os maus comportamentos e a cultura um “vício” de que não nos conseguimos desapegar? Como podemos conciliar cultura e responsabilidade social?

Vamos a números, parágrafo imprescindível de todos os jornalistas que abordam esta questão: “No campo específico do consumo de álcool entre maiores de 15 anos, Portugal surge em 11.º lugar com 12,9 litros per capita por ano, sendo apenas ultrapassado por países como Bielorrússia (17,5), Moldávia (16,8), Lituânia (15,4), Rússia (15,1), Roménia (14,4), Ucrânia (13,9), Andorra (13,8 litros), Hungria (13,3), República Checa (13), Eslováquia (13).”
In https://www.publico.pt/sociedade...

Mas os números não conseguem reproduzir os dramas que são vividos dentro das portas de um lar especialmente onde vivem crianças. E também, por exemplo: um condutor bebeu e teve um acidente. A quem iremos atribuir a causa? À curva apertada, ao excesso de velocidade, ao piso escorregadio, ao telefone que tinha na mão ou à bebida?

Obstáculos.

A primeira imagem que muitas pessoas têm da Cruz Azul e de outras organizações que combatem os malefícios provocados pelo abuso do álcool, é que de que é uma organização alienada da realidade social. E há de fato fatores que contribuem para que seja assim.

Já passaram uns anos que decorreu um episódio que marcou a minha vida e firmou a minha determinação em prosseguir nesta causa. Certo pastor evangélico, ao saber que recentemente me tinha envolvido nesta causa, certo dia, encontrou-me em frente à porta da Aliança Evangélica Portuguesa e despejou sobre mim, na frente de outras pessoas, todo o desprezo pela minha escolha com o argumento de que "Portugal tem uma cultura de tradição vinícola"! Este era o seu foco: a cultura estava acima de qualquer preocupação com as pessoas que sofrem por causa do abuso da bebida. Ora, nem mesmo Jesus deixou de censurar comportamentos de hábitos que se tinham instalado na sociedade judaica a pretexto da religião ou cultura instalada por força de hábitos adquiridos. Mas o que me marcou neste encontro na presença de outros líderes não foi esse momento de “vexame”, foi quando, cerca de um ano mais tarde, esse mesmo pastor me telefonou a pedir ajuda para um dos seus filhos pois tinha descoberto o seu abuso na bebida e garrafas escondidas um pouco por toda a casa. Para este pai, de um dia para outro, a cultura deixou de ser a coisa mais importante nas suas prioridades sociais.

O álcool.

O álcool é a substância contida nas bebidas alcoólicas e é obtido através da fermentação das frutas que contêm açucares, como a uva, a maçã, etc... O álcool é inimigo do organismo humano, do fígado, do esófago, do cérebro, do estômago, do pâncreas. O álcool é elemento perturbador do indivíduo e da sociedade. Os danos psíquicos no indivíduo e na sua família não são mensuráveis.

O alcoolismo é uma doença. É uma doença auto infligida. Está classificada como tal pela O.M.S. afim de facilitar cuidados médicos ao indivíduo afetado por uma incapacidade de só por si resolver um problema de saúde pessoal e familiar. A classificação de alcoolismo como doença retirou o indivíduo da clandestinidade e da discriminação médica. Da discriminação social já não podemos dizer o mesmo.

O alcoolismo é um vício que afeta o indivíduo fisicamente, psiquicamente, socialmente e financeiramente. Os impostos cobrados pelas bebidas alcoólicas não cobrem as despesas dos sistemas de saúde dos países europeus.

“Doenças cardiovasculares, acidentes, alguns tipos de cancro e patologias do fígado, como a cirrose. As consequências do consumo excessivo de álcool são muitas e estas doenças representam apenas algumas das principais causas de morte atribuíveis a estas bebidas: Portugal é o oitavo país da União Europeia com mais mortes relacionadas com o álcool, indica um relatório da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) divulgado nesta terça-feira.”

“Cerca de 3,3 milhões de pessoas morreram em 2012 em todo o mundo em consequência do consumo nocivo de álcool, o que equivale a 5,9% de todas as mortes, revela esta segunda-feira a Organização Mundial de Saúde. A proporção de mortes associadas ao álcool é superior à mortalidade ligada ao VIH (2,8%), à violência (0,9%) e à tuberculose (1,7%), conclui ainda a OMS no seu "Relatório global sobre o álcool e a saúde 2014".”

Um relato bíblico, retrato da humanidade neste desvio comportamental.

Génesis 9:20-21 “E começou Noé a cultivar a terra e plantou uma vinha. Bebeu do vinho, e embriagou-se; e achava-se nu dentro da sua tenda. E Cão, pai de Canaã, viu a nudez de seu pai, e o contou a seus dois irmãos que estavam fora.”

Não sabemos se Noé foi o inventor do vinho, a Bíblia não diz isso, diz apenas que ele plantou uma vinha e depois embriagou-se. Não há nenhuma condenação na Bíblia pelo ato cometido por Noé e a classificação de embriaguez como pecado só aparece depois. O que encontramos é uma consequência familiar como resultado daquela embriaguez. A família foi afetada porque Cão foi contar a seus irmãos. Pior que a embriaguez foi a denúncia, o gozo, a exposição. Quando Noé despertou do seu vinho e soube da situação proferiu uma maldição, sinal também de desarmonia, divisão, rotura, desagrado.

Enquanto que por um lado o vinho na Bíblia também é sinónimo de alegria, festa, aliança, comunhão, também é causa violência doméstica física e psicológica, negligência e maus-tratos sobre crianças, acidentes no trabalho e na estrada.

O problema não é a substância, é o ser humano. Se não houvesse “vinho”, ou álcool, o Homem usaria qualquer outra coisa para alucinar o seu organismo e produzir nele efeitos perturbadores da sua lucidez.

Curiosamente, o Apóstolo Paulo lista uma quantidade de “substâncias” prejudiciais ao organismo e entre elas a “farmakeia” vulgarmente traduzida por “feitiçaria”, quando na verdade a palavra refere-se ao envenenamento do corpo com substâncias cuja finalidade não é a cura de qualquer mal mas a obtenção de prazer pela via da alteração do estado natural do organismo. Paulo sabia que o resultado da desorganização moral do indivíduo conduzia a uma panóplia de comportamentos fora do controlo do próprio. A “bebedice” aparece depois, em meu entender, como consequência e não como causa.

Gálatas 5:20 “… a idolatria, a feitiçaria, as inimizades, as contendas, os ciúmes, as iras, as fações, as dissensões, os partidos…”

O alcoolismo como causa e consequência.

Especialmente hoje, numa sociedade encharcada com tanta informação as nossas preferências inclinam para a nossa conveniência.

- A David convinha-lhe que embriagar Uzias para que fosse para casa dormir com a sua mulher para encobrir o seu adultério;
- Absalão. II Samuel 13:28 “Absalão avisou os seus homens: Esperem até que Amnom esteja embriagado e a um sinal meu matem-no!”

As pessoas consomem bebidas alcoólicas por um hábito cultural, para celebrar uma ocasião especial mas também o usam como um fim para atingir um fim perverso. Usam a bebida para cometer um ato, fazem-no porque são perversas. Não foi a bebida que lhes deu essa natureza, elas já eram más antes de ter bebido. Não se pode dizer que numa associação “crime+bebida” o álcool esteja primeiro e seja o culpado, não, a natureza do individuo é o principal detonador da explosão, da barbárie.

Por outro lado, para juntar “à festa” para justificar a necessidade de beber temos os mitos sobre as bebidas alcoólicas: o álcool aquece; dá força; faz bem ao coração…, largamente combatidos pelas organizações de saúde públicas e privadas, juntam-se agora as indústrias de bebidas a lançar novas mentiras: o vinho emagrece; um copo de vinho ajuda a dormir bem, equivale a uma hora de desporto, etc... Como se a ganância não ficasse por aqui a própria União Europeia financia estudos a universidades para provar os benefícios do vinho em PESSOAS SAUDÁVEIS!

Nota-se clamente que ss indústrias de bebida manobram a sua mensagem de acordo com as preocupações sociais das pessoas. Se a “onda” é a saúde mental, uma cerveja ajuda a prevenir o Alzheimer; se os Jogos Olímpicos estão para breve, um copo de vinho é o equivalente a uma hora de exercício por dia.

“Tudo me é lícito mas nem tudo me convém”. S. Paulo, apóstolo.

A Bíblia oferece-se portanto ao Homem como um manual para a vida. Quem segue o padrão de Deus, vive melhor.

Fundamentados neste pressuposto inicial, de que o problema está radicado no coração humano, na nossa avidez e desregramento, vulgo pecado – palavra sumário de tudo o que nos prejudica a vida  defendo a tese de que o alcoolismo resulta em primeira estância da quebra de uma lei moral, de uma desobediência a Deus, do desrespeito por si próprio, da avidez pela auto-satisfação, pelo prazer ou pela necessidade de desinibição. 

Também, é inevitável afirmar que em grande parte o alcoolismo é o resultado da ignorância, a qual é transversal em todos os extractos sociais, médicos inclusive. Há médicos mal formados, mal informados e que erram no diagnóstico dos seus pacientes. O alcoolismo está presente desde os palácios presidenciais até à cabana mais remota numa selva.

Estudos promocionais de bebidas.

Repare neste texto curioso e como um estudo realizado por uma pessoa credível pode afetar o nosso comportamento relativamente à bebida alcoólica.

“Homens precisam sair e beber com os amigos duas vezes por semana, diz estudo

Um estudo britânico, afirma, que para melhorarem a saúde mental, os homens devem sair e beber com os amigos duas vezes por semana. As investigações foram conduzidas pelo departamento de Neurociência da Universidade de Oxford.
 
As conclusões das pesquisas indicaram que os homens devem aproveitar as noites passadas com os amigos. A prática de desportos em equipa também foi referida no estudo como um ingrediente fundamental para a saúde masculina. “Os laços de amizade são criados através de uma série de actividades ou simplesmente através de um copo no bar com os amigos”, afirma Robin Dunbar, responsável pela investigação.

O estudo sugere que os homens para desenvolverem a suas relações interpessoais, devem reunir-se em grupos com um mínimo de quatro pessoas.

Além do convívio social, também é referido que os homens, tornam-se mais atraentes quando estão em grupo,  facto que contribui para o bem-estar psicológico.”

Estranha relação esta entre uma indústria de bebida e um psicólogo antropologista investigador:

No estudo de Robin Dunbar qual é o ênfase? As relações sociais ou a bebida? É possível que as relações sociais sem bebida alcoólica também sejam relações sociais saudáveis? Normais? Entre pessoas e bebidas (ou as indústrias) quem é mais importante? Mas o que pode ser pior no meio de tudo isto, e perverso, poderá ser quem financiou o estudo. Não consegui descobrir a companhia em referência no artigo.

“What do one of the oldest beer companies in the world and an Oxford professor of psychology have in common? They both think men need more time together. Drinking beer. And playing sports.”

“O que uma das companhias de cerveja mais antigas do mundo e um professor de psicologia de Oxford têm em comum? Ambos pensam que os homens precisam de estar mais tempo juntos. Beber cerveja. E praticar desporto.”

As pessoas, a nossa preocupação é as pessoas.

Em primeiro lugar os que não têm a capacidade de se proteger a si próprios: as crianças e os conjugues vítimas. Depois, ou em simultâneo, cuidar do indivíduo incapacitado de controlar a sua própria vida.

O ser humano deve ser o centro da nossa missão: nós próprios, o cuidado por nós mesmos, e o nosso semelhante. Hoje em dia temos razões, até para desconfiar da indústria farmacêutica, pois já há muito que se perdeu o pioneirismo de Louis Pasteur ou Alexander Fleming. Quem descobrir a cura para o Câncer ou para o HIV ficará multi-milionário.

Ponto único: As indústrias de bebida, quaisquer delas, não têm qualquer preocupação com as pessoas.

Apenas pessoas se preocupam com pessoas. Deus deu exemplo disso – deu-nos Jesus. Jesus preocupa-se com pessoas – deu exemplo disso quando numa festa, em atenção aos noivos, transformou água em vinho.

Soluções para as pessoas.

“Criar um manual de sobrevivência num mundo hostil”. Utópico, não funciona. Tudo o que já está disponível sobre essa matéria já existe e não funciona de todo. Já existe matéria mais do que suficiente para ajudar as famílias e o alcoólico. Mas vamos rever algumas estratégias básicas:

Prevenção.
É da responsabilidade de toda a sociedade e não um exclusivo dos governos promover e facilitar informação adequada sobre as bebidas alcoólicas. Produzir leis que dificultem a utilização destas substâncias também é uma forma de prevenção.

Tratamento.
Não há cura para o alcoolismo. Pode chamar-se tratamento a uma desintoxicação e à reabilitação do indivíduo para o seu regresso a uma vida sóbria em família, no seu emprego e restantes atividades sociais mas um alcoólico, se o diagnóstico esteve correto, não poderá voltar a beber álcool. Em contexto cristão existe uma cura sim, é a cura da alma. O ofensor precisa de tomar consciência do seu erro, dos atos que se lembra e dos que não se lembra, arrepender-se e pedir perdão. Isso é essencial para uma vida TOTALMENTE LIVRE.

Prevenção de recaída.
As recaídas entre alcoólicos são muito frequentes. A ilusão e o sonho de muitos alcoólicos, especialmente os que fizeram algum programa uma primeira vez, é incorrer na presunção de achar que poderão voltar a ser bebedores normais como os restantes cidadãos. Efetivamente, torna-se necessário integrar a família num novo conceito de vida sem bebidas alcoólicas e educar tantos quantos possível à sua volta para abandonarem o comportamento de “pressão social”.

Incutir novos valores.
Regressando à questão básica, de que o alcoolismo não é só consequência de uma sucessão de erros mas também causado pelo Homem errante, é da responsabilidade de todos nós remeter a bebida alcoólica para um plano reduzido no nosso comportamento e preferências, não provocar em ninguém o consumo de bebida e não servir de “tropeço” a que quer que seja pela nossa liberdade.

Exemplo pessoal.
A abstinência, como escolha por parte de quem pode beber livremente, ou seja, moderadamente, ou melhor, dentro dos limites cientificamente recomendáveis, sem causar qualquer dano a si próprio ou a alguém, parece ser tão complexo como para o dependente crónico resistir a uma bebida. Neste contexto alguns cristãos cometem algumas imprudências desnecessárias. Beber vinho, está contextualizado num direito legítimo e de liberdade pessoal, enquanto que a abstinência está para um ato de solidariedade e responsabilidade para com o próximo.

Romanos 14; I Coríntios 8:8-13

Samuel Dias

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