quinta-feira, 1 de maio de 2014

A mentira

 

Qualquer um que tenha dado um click para abrir este texto já mentiu a alguém. Apenas não consigo saber se continua a mentir.

Vivemos num mundo de mentira. Todos mentem. Os políticos, os empresários, os funcionários públicos, os empregados das empresas, os professores, os alunos, os pais e os filhos… porquê? Não seria melhor vivermos num mundo de verdade?

A mentira transtorna toda a sociedade: os meios de comunicação promovem a mentira, reproduzindo-a intensamente, seja pela informação jornalística ou pelos filmes, séries e telenovelas. A mentira institucionalizou-se como parte do nosso dia-a-dia. Precisa de fatura? Não!

A mentira cruza-se e espalha-se entre a sociedade, as pessoas falam mentiras umas das outras, e os amigos, que antes o eram, deixaram de o ser, porque um estranho se intrometeu com uma mentira que não foi devidamente comprovada.

Mentimos também de forma camuflada. Usamos um carro bom para darmos aparência de que estamos bem na vida, usamos maquilhagem para ficamos mais bonitos, camuflamos as nossas dores com “está tudo bem” e pomos perfume para adiar o mau cheiro. Vaidade também é mentira.

A mentira até tem um dia do ano para ser comemorada, tal é a sua importância na sociedade. A mentira sobe aos palcos dos teatros em forma de sátira sabendo o seu público que o momento é para rir, sendo que, uma vez consentida, esta parece ser a mais inofensiva.

A mentira é também usada para sobreviver, para enriquecer ilicitamente, para obter prazer sexual e também é usada para coisa nenhuma. A mentira pode ainda ser usada por uma filha menor para proteger um pai violento ou usada por uma mãe que com manipulação compensa o seu cúmplice menor com um chocolate. A mentira por vezes é conveniente, por isso vale a pena acreditar nela.

A mentira pode safar-nos de uma qualquer alhada em que nos envolvemos mas não é garantia de que na vez seguinte escaparemos, até porque, ela é uma deficiência do nosso carácter, que mais cedo ou mais tarde acabará por nos castigar.

Mentira é também o exagero contado por pessoas que tomam o lugar dos verdadeiros atores. Lembro-me de um colega que contou um ação minha em que fiquei ligeiramente ferido no serviço e cujos episódios eram verdadeiros excepto o personagem. Mentirosos compulsivos têm tendência a confundir um restaurante vulgar com um hotel de luxo e uma porta quebrada com a ameaça de desmoronamento de toda a casa.

É impressionante o grande número de pais que mentem desnecessariamente aos seus filhos. A mentira passa a fazer parte das rotinas diárias e com toda a naturalidade a criança apercebe-se que a mãe e o pai mentem na sua frente aos seus amigos e a respeito deles.

Da deficiência de carácter ao transtorno psicológico o caminho pode ser muito curto. “Mitomania” é o nome que se dá aos que mentem compulsivamente. Certo dia, depois de ter cometido uma falha nas minhas funções o alarme dado pelo colega parecia tão convincente e de consequências tão graves que acabei a confessando com outro colega ao telefone que “a nossa sorte é que ele é mentiroso”.

A mentira vem desde os primórdios da humanidade. A bíblia diz que há um pai da mentira, chama-se diabo, e a tradução da palavra é “enganador”: “Vós tendes por pai o Diabo, e quereis satisfazer os desejos de vosso pai; ele é homicida desde o princípio, e nunca se firmou na verdade, porque nele não há verdade; quando ele profere mentira, fala do que lhe é próprio; porque é mentiroso, e pai da mentira.” João 8:44

Por a mentira ser um problema antigo, assim como as suas consequências, também a busca do seu oposto, a verdade, é desejada por muitos. A filosofia busca pela verdade há milénios, mas também o cristianismo. Pilatos que só conhecia a verdade da sua espada acaba por fazer a pergunta a Jesus: “Que é a verdade?” Mas Jesus dá tinha dado a resposta: “Eu sou o caminho, a verdade e a vida”. (João 18:37)

Na Bíblia, na tradução João Ferreira de Almeida, a palavra “mentira” aparece 40 vezes e a palavra “verdade” 451.

Mentir não é ético, não é moral e não beneficia a humanidade de modo nenhum. Os médicos devem dizer a verdade aos seus pacientes e os familiares não devem mentir aos seus familiares moribundos. A maioria das religiões repugna a mentira e a maioria dos filósofos também. Platão consente que algum tipo de mentira possa ser aceitável; Aristóteles, Jesus, Santo Agostinho e Kant, de modo nenhum o consentir com tal coisa.

É caso para concluir que apenas os tolos e os mal-formados conseguem ver algum benefício na falsidade, na omissão, no exagero e na desonestidade.

Certo dia um rapaz procurou Sócrates (filósofo grego, 469-399 a.c.) e disse que precisava de lhe contar algo. Sócrates ergueu os olhos do livro que lia e perguntou:

“- O que você vai contar já passou pelo crivo das três peneiras?
- Três peneiras? Não.
- Então, preste atenção.
- A primeira peneira é a VERDADE.O que você quer contar é facto ou um boato? Se apenas ouviu contar, a coisa deve morrer aí mesmo.

Mas suponhamos que seja verdade. Passaremos então essa informação segunda peneira: a BONDADE. O que você quer contar é uma coisa boa? Ajuda a construir ou a destruir o caminho e a reputação do seu semelhante?

Se o que você quer contar é verdade, e se é uma coisa boa, deverá então passar pela terceira peneira: a NECESSIDADE. Convém contar? Resolve alguma coisa? Ajuda as pessoas? Pode melhorar o planeta? E, arremata Sócrates:

Se passar pelas três peneiras, então conte! Tanto eu, você e os nossos semelhantes nos beneficiaremos com a notícia. Caso contrário, esqueça e enterre tudo. Será uma intriga, uma erva daninha a menos para envenenar o ambiente e para levar discórdia entre os habitantes da Terra. Devemos ser sempre terminal em relação a qualquer comentário infeliz. Conclui o filósofo.”

Nós vamos seguir estes princípios nas nossas vidas ou reproduziremos as informações que recebemos sem qualquer consistência na sua procedência?

Sem comentários:

Enviar um comentário